O Poeta do Povo e do Botafogo

Adilson Taipan é poeta e botafoguense, não necessariamente nessa ordem. É um desses torcedores apaixonados que fazem de tudo para cantar e contas as glórias do seu time. E ele o faz, com talento e singeleza, em versos que saem das entranhas recheados de amor ao clube de Mané Garrincha e Nilton Santos, mas também de poetas como Vinicius de Morais e Augusto Frederico Schimidt. Como diz Marcos Antonio Azevedo no texto da quarta capa, Adilson foi certamente “inspirado pelos raios fúlgidos da Estrela Solitária na ciclópica tarefa de traduzir em poesia a gloriosa trajetória deste formidável clube chamado Botafogo” 


O Botafogo inspira, alimenta, dignifica, alegra nossa vida.
Taipan dribla, arma, lança, cria estratégias e dá uma goleada
de sensibilidade e humor neste livro.
Mais um presente para a família alvinegra.
Parabéns Taipan, parabéns galera da querida Estrela Solitária.

                    Stepan Nercessian




As Cores

Dizem que o contraste surgiu
Quando o deus sol fecundou a lua
Um negro escravo ao se lavar no rio
Nadou nas águas brancas
Da filha do Senhor.

Lendas sobre o café
Magia que o leite trazia
Dizem que uma criança
Teve uma luz e misturou.

Desde os tempos antigos
Que as estórias vão surgindo
Eu menino escutava aquilo
Na minha mente foi se formando 
O tom maior do belo com o lindo.

Escutava que existia futebol
Minha mãe dizia
Que era um bando de vagabundos
Contra os inimigos do trabalho.

A curiosidade infantil é Fogo
Fui escondido a um campo 
Eram dois grupos correndo atrás da bola
Diziam que era jogo
E eu não sabia quem estava ganhando
Comecei a torcer pelas cores mágicas
Dos contos que os mais velhos falavam
Parecia uma zebra louca
Entre cavalos comportados
Fiquei alucinado
Eu fiquei alucinado!...

Perguntei a um moço aleijado
Que estava uniformizado:
É o Botafogo, gente boa!
Com licença, estou jogando.
     26/10/06

Agradeço ao moço aleijado
Por ser Botafogo.
Obrigado Garrincha!

Pau Grande

A polícia bateu lá em casa
Parecia urubu em carniça
Fugi pelos fundos
Reviraram tudo
Queimaram todos os livros com a Estrela Libertadora.

Quem é esse cara de Pau Grande chamado Garrincha?
Vamos acabar com ele e seus seguidores.

Era total a frustração dos elementos
Ridícula a macheza que ostentavam
Eles, infelizes de Pau Pequeno
Sem tesão para a grande satisfação
Querem que o povo acredite
Que no meio das pernas só têm joelhos
Só falam de rótulas, meniscos e ligamentos
Escondem suas pequenices
Quando vão a praia usam calçolão
Colocam laranja, tomate, limão...
Uns caíram com excesso de peso
Carregavam melancias, cocos, paralelepípedos...

Já a gente é natural
A torcida feminina chega ao ponto G
Não precisamos de viagra, garrafada,
Amendoim ou ovos de codornas.

Somos o Pão de Açúcar
O Tronco de Ipê
A Fortaleza Invencível.

Garrincha foi
Mas deixou discípulos
Somos da tribo de Pau Grande
Os pequenitos, coisitos e mal dotados
São de outros municípios.
           25/10/06

O Boi

Depois dos festejos de 1968
Falei para a mulher
Que só voltaria a fazer sexo
No próximo título
Muda era
Mais muda ficou.

Foram 21 anos.

Mesmo sofrendo a família foi aumentando
Um urubuzinho me paternalizou
Outro de tamanquinhos foi se chegando
Não sei quem é essa criança burguesa
Também um moleque da fábrica de tecidos castorizada
Mais um guri com o gibi do Brasinha
Outros e outros
Minha casa parecia ligas
E várias divisões com tabela e calendário.

Fui morar no subúrbio
Um bairro humilde chamado Marechal Hermes
Desempregado, acho que tem gato no telhado
Escutei um barulho dentro do armário
O penico foi arrastado...
Por precaução passei a dormir no sofá da sala.

A geladeira estava sempre bem abastecida
As crianças estudavam em colégio pago
As compras em caminhões eram trazidas
Farmácia, telefone, água, luz...
Não vinham para minha conta
Um carro zerinho brilhava na garagem
A casa foi ampliada, reformada e pintava
Dinheiro aparecia na carteira por milagre
Talões de cheques, cartões de crédito...

Passei a ter vida de Rei
O jejum estava muito bom
Time que está perdendo
Não se mexe.

Infelizmente, Maurício empurrou os Ricardões
Para o fundo das redes
Finalmente, fomos campeões
Ajoelhei, rezei e paguei a promessa
Fiz sexo a noite inteira
Uma multidão unida gritava boi
Mostrei a barriga cheia:
Os cornos são vocês!
          24/10/06

O Trio

Vasco e Flamengo é o clássico dos milhões
Torço para o impossível:
Que os dois percam.

Seria bom se o irreal viesse na contramão
Cada lado levando seu quinhão de perda
E como contrapeso
Um tricolor também se lamentando
Puxa vida! Seria o trio perdido
A tocar som de corno
Dor de cotovelo e breguismo.

"Fui ao Maracanã torcer pelo meu time
Um vizinho cachorro
Cheirou e mordeu minha mulher
Não conheço o jogo do maldito
Entrou com bola e tudo no meu cafulé."

Essa canção fiz para vocês
Fiquei noventa minutos no fundo das redes
Tracei a comidinha dos três
Troféu de boi é chifre.

Fiquei quietinho
No dia seguinte
Na cara de pau
Cumprimentei os sorridentes vizinhos
Mostraram-me a tabela do campeonato
Anotei os dias em que os ninhos estarão vazios.
       27/10/06

Café na Lenha

O gás acabou no café da madrugada
Não queria ficar com água na boca
É um costume desde menino
Misturo sempre com leite.

Fiz uma fogueirinha
E me surpreendi
A qualidade era bem melhor
Fiquei louco, me viciei
Lembrei dos tempos da roça com minha Avó
Fogão à lenha, nada de modernidade
Água na cacimba de tabatinga 
O banheiro do lado de fora, no alto
Acima do chiqueiro dos porcos e galinhas
Dormia as seis da tarde
E acordava as quatro
Para pegar as vacas no pasto e ordenhar.

Brincava sozinho jogando bola ou botão
Era Botafogo e Flamengo
Com as caras dos jogadores
Ali aprendi a torcer pelo time do Garrincha.

Tudo ficou com o gosto da infância
Sou menino fantasiado de velho
Sinto calafrios com o passado
Veio uma vontade louca
De bater uma pelada sozinho.

Fui para a mesa driblei o Jordan
E botei o Amarildo na cara do gol
Aquele time de 62
Tem um paladar bem melhor
Parece feito na lenha
Junto com o meu café.
        24/11/06


Mão Boba

Até hoje reclamam do empurrãozinho do Maurício
Esqueceram que no mesmo ano 
Na Taça Guanabara
O homem de preto terminou o jogo
Com a bola na rede
Os reclamadores têm a maior torcida
De cada três pessoas, duas são deles:
O juiz e o bandeirinha.

Entretanto, não foi a nossa mão que empurrou
Um simples mortal não faria tão bem
Algum gênio do céu deu uma ajudazinha, 
Um toquinho angelical
Um dedo divino da altura celestial
Uma luz Estrelar fantasiada de Preto e Branco.

Até hoje tenho tique nervoso
Quero empurrar todo mundo
Quando vejo uma mulher bonita
Não consigo falar 
Só sinto depois que a mão boba já foi
Já tive a cara estalada, tarado, seu bobo...
Desculpe-me, acredito ser minha melhor cantada
Meu coração só quer dar uma empurradinha.

Todo o meu corpo estremece como um trator
Quero apenas uma fêmea
Com garagem desocupada
Quero uma vaga
Sou discípulo do Mestre Maurício
Quero amar e ser amado
Empurrar e ser empurrado
Preciso que seja desse jeito.

Senhor! Se eu fizer por merecer
Coloque Sua mão na minha
Ajude esse pobre torcedor
Desejo apenas fazer o meu gol e ser feliz
Estufar a rede
Sou Mauriciano e fiel seguidor.
        17/10/06

O Grande Comandante

Dizem que o gol do título foi do Maurício
E quebrou o jejum de 21 anos
Tenho minhas dúvidas
Esse filme real se concretizou
Porque antes existiu um pré-roteiro
Com o ator principal chamado Gonçalves.

Tudo já estava certo, definido
O monges Alvinegros continuariam
A meditar e a jejuar
Uma simples bola atrasada
Com asas de anjo disfarçada
Subiu mais alto que a altura do goleiro
Um gol-contra abriu o apetite de todo o mosteiro
Vitor driblou todo o time do Flamengo
E colocou o Botafogo na mesa para se alimentar.

Gonçalves nunca foi de lá
Mudou o visual, na alma e no futebol
Foi o grande comandante
Da maior rebolada já vista no Maracanã
Devolvida e vingativa
Contra o time que perdeu o caminho das Índias.

Ele é nosso, sempre foi
Merece sentar à mesa
Junto com os outros apóstolos
E participar da Santa Ceia da Estrela Solitária.
             15/12/06

O Último Samurai

Era uma maravilha
Quando o Botafogo entulhava todo mundo
Nunca mais tomei Seven-Up
Um refrigerante sob a mística sete
Que driblou todos os pop-stars do mercado.

Túlio foi nosso último grande líder
Chegou escondido, desacreditado
Tem jogador que não consegue
Ler que suas linhas
São as mesmas das mãos Alvinegras.

O refresco devia ter álcool
Ficou bêbado, subiu a cabeça
E bateu com ela por um montão de clubes.

A última gota da garrafa
A cueca é a dona
Foram jogados com água e sabão pelo ralo
Era divertido cada gol apelidado
A torcida mirim aumentava
Cheguei a fazer uma escala geométrica
Para cada unidade vendida
A cegonha traria mais um pimpolho Alvinegro.

A maternidade crescia
Em nove meses o Fogo renascia
A comunidade bebia e se reproduzia
E como uma guilhotina
Uma lei herodiana
Decretaram execução sumária dos bebês
Nascidas sob o signo da Estrela Solitária.

A maravilhosa garrafa foi esvaziando
O último samurai tombando
Fecharam as portas do bar
E nenhum espermatozóide
Conseguiu carona nas asas da cegonha.
          15/12/06

Amor em Preto e Branco

Nas minhas andanças atrás de comida
Tracei todas:
Urubuas, bacalhoas, pozinhas e diabinhas.
A fome não escolhe prato
Se é para ser feliz
Aceito qualquer cardápio
Perdi vários campeonatos
Li Romeu e Julieta,
Vi novelas
E nada encaixava do meu lado.

Na terra, porém, tem uma Estrela a brilhar
Bati de frente com uma perdida
Também querendo se encontrar
Linda
Parecia a história do Botafogo.

O olhar fez um lançamento de Gerson
Meti uma folha-seca do Didi
Colamos com o chiclete do Nei Conceição
Subimos com a elegância do Heleno de Freitas
Minha alma foi lida na enciclopédia do Nilton Santos
Fiquei louco como o diabo das pernas tortas
Um bruxo louro, possesso feito Amarildo
Desarmou-me com a maestria do Espinosa
Agarrou-me com a força do Manga
Quarentinha balançou as traves do meu coração
Que maravilha, é o Túlio ou é o Cajú?
Fiquei forte, Valentim, Furacão, Saldanha-Fera...
Saltitei como o bailarino Rogério
Parecia Zequinha indo no fundo...

É a felicidade Branca e Preta
Ficamos formiguinhas do Zagalo no Largo dos Leões
Passou o General Severiano e bateu continência
Fizemos várias posições de sentido
Em respeito ao nosso Hino
E esse amor é Glorioso, eterno
Muito mais que 100 anos.
         12/05/06

A Estrela do Amanhã

Algo mais que futebol
Ligou Paulinho Criciúma ao Botafogo
Libertou nosso povo da carência de títulos
E tinha a Estrela do Amanhã
Como a luz de um mundo melhor.

Não o ouvi falando política
Apenas mais uma entrevista a imprensa esportiva
Não sei o que falava
Meus olhos só enxergavam
Um quadro do Che Guevara decorando a sala
Podia ser uma paisagem
Um caminhão, um macaco engraçado
Ou uma mulher pelada.

Mas era o Grande Comandante
De boina com a Estrela Solitária
Eu fiz aquele quadro
Que era vendido nas bancas de jornais
Com a imagem da revolução embaixo do busto:
"Muitos me chamarão de aventureiro
E o sou
Só que de uma maneira diferente
Dos que arriscam a pele
Para provar suas verdades."

O Cartunista Jaguar, inteiramente sóbrio,
Comprou o meu livreto de poesia
No Teatro João Caetano
Com um peso cubano
Numa batida lá em casa
Tive que me livrar do dinheiro...

Passei a ver um Paulinho diferente
O jogador de uma vista mais justa.

Tenho um recorte de jornal do time do Madureira
Com o estadista revolucionário
Ele gostava de futebol
Em 61, quando esteve no Brasil
Foi condecorado com o Cruzeiro do Sul
Se lhe dessem a nossa camisa
O efeito seria bem maior
Ficaria Estrelado na cabeça, no peito e na alma
Acho que veio espionar os Onze Homens de Ouro
Sonhava com o futebol cubano
No mesmo nível do Botafogo.

Todo dia 8 de outubro
É a data do torcedor morto
Rezo pela vitória geral e completa.

Paulo me levou a campo para semear a liberdade
Somos soldados Alvinegros
Lutamos sem perder a ternura jamais.
            05/01/07